quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Casamento é cama, mesa e banho

Ontem conversávamos eu e a Elida sobre casamento. Eu disse que, na minha opinião, casamento satisfatório deve ser bom na cama, na mesa e no banho. Casamento bom na cama dispensaria acréscimos de comentários. Pois o que salta na mente é o sexo bom e gostoso. Mas cama é um móvel que utilizamos para momentos íntimos e para descanço, repouso. A intimidade que se é revelada na cama deve ser respeitada, entendida e mantida segura. O que se faz e o que se fala na cama do quarto do casal fica lá. E pode ser relembrado quando o momento for oportuno nessa cama. Casamento na mesa. Mais uma vez o que vem à mente é comida. Mesa farta para se fazer refeições. Porém, mesa também tem vários usos em uma casa. Mesa, além das refeições, ela também é usada para reuniões de família e celebrações. Para planejamento, cálculos e - por que não!? - para diversão. Mesa no sentido de refeições, para mim, diz que num casamento pelo menos um deve saber cozinhar, fazer uma refeição que marca aquela vida a dois. É muito triste uma família na qual ninguém cozinha. Não necessarimente a mulher, haja vista a quantidade de homens que labutam no lar para sua manutenção. Assim, mesa quer dizer também provimento. Logo, casamento tem suas responsabilidades. Pelo menos um, senão os dois, devem prover a casa. Por fim, casamento no banho. Imagino que alguém pesou: "sexo de novo!". O banho para nós quer dizer, além de higiene pessoal, saúde, cuidados e - adiante - amor por si próprio. O que pensar de uma pessoa que não toma banho? Que não se importa com sua higiene pessoal? Será que essa pessoa poderá conviver com outra e amar? Acho difícil pois quando não se tem amor próprio... Cama, mesa e banho são aspectos internos de um relacionamento afetivo que - sem os quais - não há sociabilização com o mundo exterior. Mesmo quando vivemos só é importante termos a harmonia entre "dormir, comer e se cuidar".

domingo, 11 de novembro de 2012

Falando sobre a resiliência

Eu criei um blog dedicado a discutir a resiliência mas tenho falado pouco sobre ela em si. Escrevi muito sobre resiliência usando os exemplos de outras pessoas que sofreram um baque emocional e – após algum tempo, todos têm seu tempo, - voltaram a ser pessoas como eram antes, em relação aos seus sentimentos e emoções. Mas vamos lá falar um pouco de resiliência: o conceito resiliência nasceu do estudo do cientista inglês Dr. Thomas Young, 1807, sobre a relação entre a tensão e a deformação de barras metálicas. Assim, resiliência pode ser considerada como o grau que afere a propriedade que alguns metais apresentam em não se deformarem, ou apresentarem baixo nível de deformação ou ainda de voltarem ao estado inicial, sem deformação alguma, após sofrerem uma tensão. O conceito da resiliência também foi adaptado para a ecologia ao descrever certos biomas que se recuperam após sofrerem uma ação degradante, seja natural ou provocada pelo homem. Um exemplo clássico é o cerrado que se regenera na época das chuvas após um longo período de seca ou submetido a queimadas. Assim, ele apresenta sua vegetação rasteira e algumas árvore com aparência aniquilada mas se regenera quase milagrosamente após as primeiras chuvas. Mas a resiliência a qual nos referimos neste blog é o conceito psicológico, emprestado da física e da ecologia. Como foi dito no primeiro parágrafo deste texto, a resiliência é definida como a capacidade de indivíduos superar os obstáculos e, após sofrer uma tensão grande ou um elevado nível stresse esse indivíduo se recupera sem adquirir uma doença emocional grave ou surto pscológico. Há inúmeros casos de pessoas com um grau expressivo de resiliência e que, em nossa opinião, chega a ser um exemplo a ser mostrado para o mundo. O indivíduo resiliente é classificado por nós como o super-herói dos dias de hoje. Um herói de carne e osso que não necessita usar fantasias ou identidade secreta mas o seu superpoder é a própria resiliência. Não sabemos se a resiliência é algo que pode ser fortalecida ou desenvolvida. Talvez as pessoas nasçam com diferentes graus de resiliência. Assim como os metais, estudados pelo Dr. Young, que apresentam ou não significativos graus de deformidade, há pessoas que apresentam graus diferentes de “deformidade psicológica” após um baque emocional. Dessarte, acredito que a resiliência não seja quantificada ou medida mas é uma qualidade de cada um de nós que é expressada de acordo com os seguimentos dos caminhos que a vida nos oferece ou pelos quais somos empurrados. Interessante sobre a reisiliência, é mais fácil falar sobre ela demonstrando exemplos de outras pessoas pois são esses exemplos de vida que realmente ajudam alguém que esteja sofrendo com seus sentimentos e frustrações atualmente. Por isso que neste blog nos preocupamos mais em trazer tais exemplos do que ficar emitindo grandes tecidos de letras para explicar a resiliência. Daí esse blog se chamar RESILIENTE ANDANTE por que a resiliência não é algo estática e estanque ela está sempre em movimento, tal como a vida. Se você leu e chegou até aqui, eu o convido para trazer uma experiência resiliente sua ou de alguém que você saiba ter passado por um processo resiliente. O espaço está aberto. Entre!

sexta-feira, 27 de julho de 2012

O Raimundo e a AIDS ou SIDA

As portas do elevador abriram-se. Eu entrei. Pressionei o botão "T" (térreo) e começamos a descer. O elevador deu um baque atípico e parou no 7º andar. Entraram duas pessoas dando gargalhadas: um homem e uma mulher. Ambos usavam máscaras. Ele usava uma máscara do Sr. Jair Bolsonaro e ela, da Sra. Sarah Palin. As portas fecharam-se e o elevador começou a descer novamente. As duas pessoas que estavam comigo no elevador se recuperam das gargalhadas mas ainda estavam sorrindo uma para a outra e ele falou para ela: "E esse povo ainda acha que os comprimido pra AIDS vai funcionar." Ela falou para ele: "Onde já se viu alguém perder tempo fazendo remédio pra viado aidético" Ele disse: "Eu já te falei, né? Viado, drogado, adúltero e esse povo que toma sangue dos outros é tudo a mesma coisa pra mim. Vale nada!" A conversa exaustiva entre eles continuava e eu consultei o painel de andares. Percebi que nele estava acesa a letra "T". Teoricamente havíamos chegado, porém o elevador ainda continuava a descer. E a conversa entre eles continuava: Ela: "Mas é verdade, Deus não gosta dessa coisa de transfusão, não! Ficar misturando o sangue das pessoa..." Ele: "Pra mim essas pessoas tem que morrer sofrendo." Ela: "É verdade!" Ele: "Na minha época num tinha essas coisa, não. Homem é homem e mulher é mulher." Ela: "Mas tem que ser assim..." Ele: "Nem tinha essa história de misturar sangue, não. Credo! Só de imaginar que alguém que não conheço doando sangue para mim... Pensa euzinho recebendo sangue de viado?!..." As gargalhadas meio histéricas meio efusivas reiniciaram quando as portas do elevador se abriram. Os dois mascarados saíram gargalhando de braços dados. De dentro do elevador eu olhei para fora e percebi que havíamos chegado ao inferno. Encostei-me no portal do elevador e fiquei fitando as enormes labaredas e comecei a pensar. Pensando me lembrei de uma época, a primeira metade dos anos 90 do século passado. Nesse período a AIDS ainda era um tabu em nossas vidas e muitos acreditavam que ela era a "peste gay" enviada por Deus para "desinfetar a humanidade". Causa-me arrepios de lembrar dessas expressões da diretora da escola que eu estudava, proferidas em uma palestra sobre educação sexual. Não havia sido incorporado na sociedade de até então o conceito "comportamento de risco" como causa da contaminação da SIDA (Síndrome da Imuno Deficiência Adquirida). O que estava em voga era o chamado "grupo de risco" o qual englobava os homossexuais masculinos, os usuários de drogas injetáveis e os hemofílicos. Acreditava-se que eles transmitiam a SIDA para as pessoas "direitas e cristãs". Nesse chamado "grupo de risco" havia o grupo preferencial com maior número de incidência que era o dos homossexuais. Isso é fato. Assim esse grupo preferencial passou por um calvário crístico acometido pelos heterossexuais e até mesmo por homossexuais. Pois ninguém tinha informações seguras sobre a SIDA e as reais formas de contágio. Seguiram-se anos de preconceito e injustiças contra os homossexuais. O que ninguém pensou, anos depois quando se passou a evitar o comportamento de risco, é que os homossexuais por terem sido o grupo vítima preferencial da SIDA foi o primeiro grupo a se mobilizar contra ela. Foi o primeiro grupo a partir para o enfrentamento e adotar ações preventivas contra o contágio. Destarte, foram criados duas ONGs importantíssimas para implementar e apoiar ações de combate à AIDS: o GAPA - Grupo de Apoio e Prevenção à AIDS e o Grupo Arco-íris. Anos depois o Governo Federal entendeu a gravidade da problemática e criou um núcleo no Ministério da Saúde para criar e desenvolver políticas públicas contra a DST (Doenças Sexualmente Transmissíveis) e a AIDS, o “DST/AIDS”. Já no ano de 1996, quando eu trabalhei na Divisão de Enfermagem, do Hospital Universitário de Brasília, eu conheci o Raimundo. Raimundo era um homem cego que todo mês participava de uma reunião de um grupo de apoio e era membro do Grupo Arco-Íris. Esse jovem senhor à época era homossexual assumido. Tinha um relacionamento fixo porém era traído e não sabia. Em suas palavras: “Eu confiava nele, ele é que não confiou no meu amor por ele.” Referindo-se ao seu ex-companheiro que havia morrido anos antes, em consequência da SIDA. Raimundo tomava o coquetel (AZT, 3TC etc...) e estava cego. Segundo ele, todos achavam que era por causa da SIDA mas não era. Ele havia perdido a visão devido ao choque de saber que no mesmo dia havia perdido o emprego, a casa, seu namorado e que tinha ganhado uma doença que era tenebrosa naqueles anos, devido à desinformação e preconceito. Este foi que o deixou cego e sem cabelos, contou-me. O “Rai” dos anos 80, trabalhava no salão de beleza do seu “ex”, era gerente. Morava na casa que havia comprado e que tinha ficado no nome do outro. Sem mais nem menos o seu até então parceiro havia terminado com ele e lhe tirado o chão dos pés. A notícia das traições e do contágio com a SIDA veio junto e foi confirmada no Rai meses depois por meio de exames específicos. Esse protagonista nosso, como foi dito, era membro do Grupo Arco-Íris e dirigia um grupo de apoio no referido hospital, para portadores do vírus HIV. Para ele era o melhor dia da semana. Ajudar quem estava pior que ele, como dizia. “Minha dor não é nada perto dos depoimentos que ouço no grupo. A gente pensa que sofre muito mas quando ouve histórias que eu ouço eu vejo que comigo poderia ter sido pior ainda!”. Foi muito bom ter conhecido o Sr. Raimundo. Esse é um RESILIENTE ANDANTE digno de nota. Um exemplo para quem souber pegar para si esse exemplo.

sexta-feira, 16 de março de 2012

Doença emocional

Conta uma antiga lenda que dois jovens da China se casaram. À época, os casamentos eram arranjados e - não muito raro - os pais nem sequer conheciam antes a pessoa que se casaria com seu filho ou sua filha. No caso dos nubentes, eles eram de aldeias distantes uma da outra.
Assim, como mandava a tradição, a noiva mudou-se e foi integrada à família de seu marido. Passou a morar na casa da família dele. E para a sua sorte (ou azar), o rapaz vivia apenas com a mãe.
Logo, ao chegar na sua nova morada, ela já percebeu o que a aguardava. Pois a sogra informou-a sobre uma série de regras e tarefas domésticas que ela deveria cumprir.
Assim, os dias foram passando e - por mais que ela se esforçasse - a sogra exigia sempre mais dela. E nada do que a moça fazia estava bom. Praticamente tudo que ela fazia tinha de ser refeito.
A moça tentou dialogar sobre isso com o marido, algo que não fazia parte do costume da aldeia. E como era uma altercação entre duas mulheres, principalmente por se tratar de sua mãe e sua esposa, o jovem homem se omitia. Silenciava. E uma rara vez que se pronunciou sobre isso, dadas as insistências da esposa, ele disse: "você e ela devem resolver isto sozinhas!"
A jovem tentou dialogar com a sua sogra mas aí as coisas pareciam ter piorado. Pois a senhora distorcia tudo que a nora afirmava no diálogo. Ou perguntava e a desmentia sobre fatos ocorridos, quando se via sem saída por causa dos arqumentos da moça.
Destarte, o sentimento de frustração da jovem era crescente.
A moça, da condição de preocupada, passou a alternar seus sentimentos entre o ódio e a tristeza em relação à convivência com a sogra. E esta andava difamando-a para os vizinhos. Dizia que a moça era uma péssima esposa. Não cuidava direito do marido. Que cozinhava com muita má vontade. E que não era asseada nem com a casa nem consigo mesma.
E assim, a cada dia, a moça recrudescia o seu comportamento em relação à sogra. E a convivência das duas se tornou um inferno!
Em menos de três meses de casada a moça só pensava em fugir. Mas não sabia para onde. Pois para sua família não poderia mais voltar. Além da distância, isso seria uma desonra e uma vergonha para os seus pais.
Até que um dia ela ficou sabendo que um raizero se instalou na aldeia. E ela foi até ele fazer uma encomenda bastante inusitada.
Juntou umas economias que o marido havia guardado em casa, se arrumou toda e buscou o alquimista fitoterápico, no centro da aldeia.
Ao encontrá-lo, ela esperou que ele se desobrigasse de uma cliente que já estava sendo atendida. Até que chegou sua vez.
Disse-lhe o velho: "Em que posso ajudár?" "Eu quero uma poção de veneno." Disse-lhe a moça. "Eu não trabalho com produtos agrícolas", falou o raizerio. A moça completou: "Mas eu quero veneno para matar uma pessoa". "Eu não posso fazer isso." Falou o homem. "Mas você precisa muito me ajudar, eu não tenho escolha", disse-lhe a moça gravemente. "Eu te dou todo esse dinheiro". Argumentou da moça que caiu em pratos. Diante do silêncio do velho, retirou uma pulseira de ouro do braço e a ofereceu ao velho juntamente como o dinheiro. Vendo o seu sofrimento, um briho estranho tomou o semblante do raizeiro e ele disse para a jovem: "Eu não quero esse dinheiro. Mas posso te ajudar se você me contar tudo. Quem você quer matar e o porquê disso".
Após muito tempo decorrido e muitas lágrimas e palavras derramadas pela jovem sobre o balcão da tenda, o raizeiro chegou á seguinte conclusão: "Eu vou fazer a poção do veneno para a sua sogra. Venha aqui depois de amanhã".
No dia combinado, a moça excitada foi ter com o raizeiro. Ele olhou-a bem nos olhos e mostrou um pequeno pote, que cabia na palma da mão. E disse a ela: "Todos os dias você vai misturar uma gota dessa poção na comida de sua sogra. Durará dois meses esse potinho e, quando ele estiver vazio, sua sogra morrerá de causas naturais." E disse também: "para ninguém desconfiar de você, mude o comportamento com sua sogra. Trate-a melhor do que nunca! Seja gentil, educada e abnegada com ela. Assim, ninguém vai pensar que foi você quem a matou".
Quando a moça, sorridente e feliz da vida, foi pegar o pote venenoso das mãos do raizeiro ele disse, tirando-o da mão da moça: "Mas atenção! Isso não terá volta". A moça tomou o pote e colocou na algibeira. Agradeceu devotadamente ao raizeiro e se foi. O homem ficou a fitá-la. Depois sorriu suavemente para si mesmo.
A moça, logo que retornou, começou fazendo exatamente o que o velho mandara. Ela tinha mudado completamente seu comportamento com a sogra. A moça estava mais eficiente, mais humilde, mais gentil e mais calada.
Quando o primeiro mês passou depois da conversa que ela teve como raizeiro ela recebeu de uma vizinha um pequeno elogio. E percebeu que os demais vizinhos estavam mais simpáticos com ela.
Quarenta e cinco dias depois que ela administrou a primeira dose na comida de sua sogra, ela ouviu o primeiro "obrigada" da mãe de seu marido, após servir chá para ela. Isso foi chocante!
Assim, a relação das duas mulheres aos poucos foi melhorando. A moça não sentia mais desconforto ao lado da sogra. E o marido começou a tratá-la muito diferentemente. Estava mais atencioso e feliz com a esposa.
Tudo ia bem até que, após dois meses, a moça se lembrou e se assustou pois a poção não tinha acabado pois ela havia parado de administrar na comida da sogra. Mas ela temeu que a sogra pudesse morrer ou ficar debilitada por causa do veneno. Ela já não queria mais que a sogra morresse. Pois tudo tinha mudado e seu marido iria ficar muito infeliz sem a mãe. E se ele descobrisse que a mãe dele tinha sido envenenada pela própria mulher? Como seria isso?
Assim, a moça correu ao velho raizeiro e implorou que ele desse um antídoto pois ela não mais queria que a velha morresse pois passou a amá-la. O velho sereno apenas a olhou com expressão séria no rosto. Ela suplicou mais uma vez... Derrepente o velho lhe disse: "Não se preocupe, sua sogra não vai morrer". A moça olhou-o com ar confuso e ele completou: "A poção que lhe dei não era para matar a sua sogra. Era para matar o ódio que estava em seu coração. Sua sogra tomou uma inofensiva vitamina nesses dois meses."

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Uma das formas mais difíceis e mais corajosas de ser resiliente é suportar o outro que nos aflige sem revidar. Seja esse outro alguém da família, do trabalho, da vizinhança ou nas relações de amizade. Ser resiliente é se antecipar aos fatos e não recrudescer ao mau comportamento que fizerem conosco. Não vale a pena se envolver emocionalmente com uma pessoa infeliz e que quer causar infelicidade em sua volta. Geralmente pessoas assim são doetes emocionais. E devem ser tratadas como um paciente.
Se não tivermos em nós nada que possa ajudar ao doente emocional, logo não deveremos fazer alguma coisa. Não é honesto ficar provocando a pessoa que sofre. Fazer chacota e a humilhar. É desumano satisfazer a curiosidades frívolas pessoais. Desumano também é usar o doente emocional para obter favores para si, sejam materiais, sexuais ou influência com alguém que é importante ou que julga-se importante.
Como foi feito com a moça da história, devemos buscar o velho raizeiro que existe em nós e tirar o ódio, ou o gérmen desse ódio de nosso coração.
Ser resiliente sempre, esse é o lema!

sexta-feira, 2 de março de 2012

Sobre a morte, o medo e a prudência

Na antevéspera do carnaval, deste ano, em meu local de trabalho, aconteceu um fato inusitado, mas que pode acontecer com qualquer um de nós. Chegou-nos a notícia inicial de que uma colaboradora havia desmaiado.
Daí vimos uma movimentação atípica no prédio. Depois vimos uma equipe de paramédicos do Serviço Móvel de Atendimento de Urgências (SAMU) entrar. Alguns minutos após, ouvi uma voz de mulher dizendo que a colaboradora havia sofrido um acidente vascular cerebral (AVC). Na sequência, estacionou uma ambulância a UTI Móvel e entraram três profissionais de saúde. Em seguida, mais outra ambulância do SAMU estacionou e mais três paramédicos adentraram no prédio.
Num total de 30 minutos decorridos do início do acontecido, dois dos paramédicos desceram e pegaram uma maca e levaram-na para o andar de cima. Onde estava a vítima do AVC.
Eu e meu colegas vimos a maca com a colaboradora entubada passarem por nós e entrarem na viatura da UTI Móvel. Foram embora.
No dia seguinte, toda a história fora esclarecida. A colaboradora em questão havia sido acometida por três acidentes vascular cerebral. O primeiro fê-la cair insconsciente no chão de de seu corpo, segundo relatos da outra colaboradora que estivera em reunião com ela, saíram todas as secreções e excretas possíveis. Após ser reanimada pelos paramédicos no atendimento inicial, ela sofreu outro AVC. Foi reanimada com desfribilador e levada para a UTI do Hospital Daher, em Brasília. Lá, ela sofreu o terceiro e fatal AVC. Em meu trabalho todos ficamos ressentidos com o fato e fora decretado luto institucional.

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Eu fico imaginando. Eu sou uma pessoa solitária. Quase tudo que faço em minha vida estou sozinho. Eu moro só, eu saio só, eu resolvo minhas coisas só. Minha família mora em Goiânia (cidade que fica a 217 quilômetros de Brasília/DF). Tudo bem que não ignoro o fato de trabalhar em equipe, de ter uma filha - mas que mora com a mãe - e que tenho uma namorada a qual mora em sua casa, com sua família. Mas a tônica em minha vida é a solidão.
Se esse AVC acontecesse comigo em minha casa, lugar onde raramente recebo visitas, e que a maioria de meus parcos amigos não conhecem, não sabem onde fica, eu morrerei só. Se eu não tiver forças e habilidades suficientes para chamar o SAMU, eu morrerei só.
Eu não tenho medo da morte. A morte é uma passágem desta para outra vida melhor. A vida real. Eu temo em ficar inválido porém consciente. Sabendo que até para ir ao banheiro dependerei da caridade de alguém. Tudo bem, também, que eu não tenho problemas em pedir ajuda ou socorro quando preciso. Muito menos não tenho problemas em ajudar a alguém que esteja em estado de necessidade. Mas eu temo em ficar inválido. Em estado vegetativo, talvez eu tema. Pois neste estado imagino que seja um sopro e o "morimbundo" não saiba o que se passa consigo.
Mas se eu tenho esse medo, eu tenho de aprofundá-lo e saber se ele tem uma origem conhecida nesta vida. A fim de resolvê-lo. Por que o medo trava a gente. O medo cega!
E, um dia, uma pessoa muito feliz falou que devemos eliminar de nossas vidas o medo, a culpa e a ilusão. Desses três, eu já consegui eliminar os três últimos. O medo eu estou trabalhando para vencê-lo.
Estou tentando substituir o medo pela prudência. Pois é muito melhor ser prudente do que medroso. Enquanto o medroso pára onde está, o prudente continua seguindo com cuidado. Trocar o medo pela prudência é uma forma de ser resiliente.